Há
200 anos a família real portuguesa chegou ao Brasil sem saber o que ia
encontrar na colônia e muito menos qual seria o futuro da dinastia Bragança.
Hoje, a monarquia cedeu espaço para a república e o herdeiro dinástico da
família imperial vive à sombra do regime presidencialista na expectativa de um
dia governar o país. Em entrevista à Folha Online, Dom Luiz de Orleans e
Bragança, 69, contou como é viver em São Paulo sem as regalias usufruídas por Dom
João 6º e Carlota Joaquina no século 19.
Veja o Video:
Chefe da
Casa Imperial Brasileira e herdeiro dinástico, Dom Luiz diz que vive “sem luxo
nem esplendor”. Ele nasceu na França, estudou química mas nunca exerceu a
profissão. Mora com um de seus irmãos, Dom Bertrand de Orleans e Bragança, em
uma casa alugada em Higienópolis, bairro nobre da capital paulista. Apesar de
bem localizado e grande, o imóvel é um sobrado simples e que requer reparos na
pintura e no jardim. A decoração da casa também é simples e não tem nenhum
móvel da época da monarquia. Apenas as fotografias ou pinturas de seus pais,
avós e bisavós, em especial da princesa Isabel, indicam que naquele lugar vive
um nobre.
Apoiado em
uma bengala e vestido com um terno cinza com risca de giz, Dom Luiz recebeu a
reportagem na sala de visitas da Casa Imperial do Brasil onde um grande brasão
imperial contrasta com uma imagem de nossa senhora de Fátima. Católico
praticante, o príncipe disse que divide seu tempo entre orações e o trabalho
como representante da família imperial brasileira. Afirmou que não recebe
nenhum recurso do governo brasileiro e vive de doações de monarquistas em melhores
condições financeiras.
Dom Luiz disse que a República trouxe perecimento da moralidade política |
Durante a
entrevista, de quase duas horas, Dom Luiz se empolgou ao falar sobre a crise na
política nacional e riu ao comentar a questão dos cartões de crédito
corporativo do governo federal. “A República trouxe consigo um perecimento da
moralidade pública e política e nós chegamos ao auge hoje em dia”, disse o
príncipe, que defende a monarquia como forma de solucionar parte dos problemas
na política brasileira.
Quando o
assunto é a disputa da família imperial pela herança dinástica –herdeiros do
primeiro filho da princesa Isabel, Dom Pedro de Alcântara Orleans e Bragança,
que abdicou da dinastia ao se casar, reivindicam o trono inexistente no
Brasil–, Dom Luiz prefere não se aprofundar no assunto e limita-se a dizer que
é reconhecido internacionalmente como herdeiro dinástico.
Leia a
seguir os principais trechos da entrevista com
Dom Luiz de Orleans e Bragança:
Folha Online – Como é viver hoje como
herdeiro dinástico 200 anos após a chegada da família real ao Brasil?
Dom Luiz de Orleans e Bragança –
Vivemos sem luxo nem esplendor. Vivemos com os recursos que nós temos, que não
são muito grandes. Alguns [dos herdeiros] têm empregos, outros vivem –como meu
irmão D. Bertrand e eu– de auxílio de monarquistas que nos ajudam a tocar a vida
mas sem nenhum luxo –como você pode ver essa casa não é um palacete, é uma casa
média. Vivemos procurando tanto quanto possível lutar pelos interesses do
Brasil, no campo ideológico e civil.
Folha Online – E o governo brasileiro,
dá alguma ajuda financeira aos herdeiros da família real?
Dom Luiz – Não, o governo não dá nada.
Folha Online – E de onde vêm os
recursos?
Dom Luiz – São recursos particulares de
pessoas que tem uma certa folga e nos ajudam. São monarquistas brasileiros.
Folha Online – Então o senhor não
recebe o laudêmio –taxa de 2,5% cobrada sobre qualquer transação imobiliária no
centro histórico de Petrópolis que vai para a família imperial?
Dom Luiz – Não, não recebo nada. Houve
uma divisão nos anos 40 e o ramo da família de Petrópolis ficou com o laudêmio.
E o ramo dinástico –o que herda a Coroa se for restaurada a monarquia– não
ficou com nada.
Folha Online – E quem fez esse acordo?
Foi o chefe da Casa Imperial da época?
Dom Luiz – Foi uma questão complicada.
Eu não gostaria de entrar nesse campo no momento.
Folha Online – É difícil carregar um
nome não só longo, mas com tanto significado em uma república como o Brasil e
em um mundo globalizado?
Dom Luiz – De um lado é difícil, de
outro a gente nasceu e foi criado para isso. Agora, traz uma responsabilidade
muito grande. As pessoas olham para nós como quem deveria ser exemplos e nós
devemos manter uma linha, uma dignidade, uma compostura para evitar toda e
qualquer coisa que possa desabonar esse nome.
Folha Online – E como é seu cotidiano?
Como é a vida do príncipe imperial do Brasil hoje?
Dom Luiz – Meu cotidiano é parecido com
todos os paulistanos ou todos os brasileiros. Eu me levanto de manhã, faço as
minhas orações, tomo café e depois tenho o meu trabalho [como chefe da Casa
Imperial]. Tenho bastante correspondência [para ler e responder] e muitos
contatos com os monarquistas de todo o Brasil. Recebo visitas de monarquistas
de todo o Brasil e participo de congressos monárquicos bi-anuais. Também
procuro atuar no campo ideológico e cível na Associação dos Fundadores –grupo
dissidente da TFP (Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e
Propriedade), uma entidade católica–, que procura pôr uma barreira à investida
do esquerdismo e do comunismo aqui no Brasil muitas vezes sob o manto da
Teologia da Libertação.
Folha Online – Então o senhor é contra
a Teologia da Libertação. Como é esse trabalho?
Dom Luiz – Escrevo artigos para algumas
publicações, faço conferências e palestras. O próprio papa [Bento 16] quando
era cardeal condenou a Teologia da Libertação, como sendo uma infiltração
marxista na teologia católica. Ora, o marxismo é uma filosofia completamente
atéia e materialista e não se coaduna com a religião católica. Porque o
marxismo não vê no homem uma criatura de Deus com corpo e alma, portanto com
necessidades materiais e espirituais e que deve dar “glória a Deus” e com isso
trazer felicidade sobre a terra.
Folha Online – O senhor vai à missa? Em
qual igreja?
Dom Luiz – Vou à missa aos domingos em
uma igrejinha particular aqui no bairro.
Folha Online – O senhor é solteiro?
Dom Luiz – Sou solteiro, mas a questão
da sucessão está assegurada pelo meu irmão Dom Antonio. Meu irmão Dom Bertrand
é solteiro também. Mas Dom Antonio tem quatro filhos –dois varões e duas
mulheres– e tenho uma outra irmã casada com dois filhos também. A sucessão está
largamente assegurada. Era preciso haver uma catástrofe que matasse todo mundo
[para não haver herdeiros ao trono].
Folha Online – O princípio da igualdade de nascimento ainda existe? Ou seja, os príncipes só se casam com princesas –e vice versa– se não eles têm de abrir mão da herança dinástica?
Dom Luiz – Na Casa Imperial do Brasil
sim. Pelo seguinte: normalmente todo príncipe é educado não tanto em função de
seus próprios interesses, mas em função dos interesses de seu país e de seu
povo. E os maridos têm de estar de acordo. E se fizer um casamento com uma
pessoa que não foi educada desse jeito pode trazer uma série de complicações,
erros e uma série de problemas. E para o bem do país, é preciso que eles sejam
casados entre famílias principescas.
Folha Online – E foi uma opção do senhor não casar?
Dom Luiz – Foi, para poder me dedicar à
causa monárquica no Brasil e os interesses da nação pátria.
Folha Online – Então o que o senhor pensa sobre a forma com que o nosso país está sendo governado?
Dom Luiz – Eu acho que é só abrir os
jornais pra ver. [risos] Hoje o jornal que eu leio normalmente tem páginas e
páginas sobre a questão dos tais cartões de crédito [do governo federal]. Eu
pergunto: Isso é um bom sintoma? Houve escândalos no ano passado, um atrás do
outro. Eu pergunto: Está certo isso? Nós temos ameaça de um apagão por falta de
energia e por falta de investimentos em infra-estrutura. Eu pergunto: Isso é
favorável ao Brasil? A república trouxe consigo um perecimento da moralidade
pública e política e nós chegamos ao auge hoje em dia.
Folha Online – E qual o futuro que o senhor vê para o Brasil?
Dom Luiz – Eu vejo o Brasil numa
situação bem grave hoje em dia, mas com recursos ainda –recursos de alma do
povo brasileiro e naturais quase inesgotáveis– e com a possibilidade de sair da
crise em que se encontra e se tornar realmente um país de primeiro plano no
mundo inteiro. Agora, é preciso uma série de reformas e de limpeza em toda a
nossa política e nossa vida pública.
Folha Online – Mas o senhor acha que é necessário mudar apenas os personagens ou o sistema político?
Dom Luiz – Eu acho que a monarquia
ajudaria enormemente a resolver os problemas. Pelo seguinte: o soberano não é
eletivo e, portanto, não está vinculado nem a partidos nem a grupos de
interesses e nem a forças econômicas. O seu interesse é o interesse da nação.
Por uma razão muito simples: se ele governar bem, quem vai se aproveitar disso
é ele mesmo e seus filhos. Se ele governar mal, o castigo cai sobre ele mesmo e
seus filhos. Quer dizer, o interesse do soberano e da nação formam um só e não
há essa preocupação que há na república da próxima eleição. Isso não existe na
monarquia. Mais uma vez eu digo: o interesse do rei e do imperador é uno com o
interesse da nação e isso é uma coisa que tem também a capacidade de moralizar
toda a política porque ele se torna um exemplo incorrupto e incorruptível para
toda a nação. E por via de conseqüência, toda a máquina política a estrutura da
nação se torna moralizada. Com isso, os problemas do país se resolvem muito
mais facilmente sem que entrem rixas entre partidos políticos ou grupos de
interesses. O soberano é um árbitro, é um juiz imparcial que pode ajudar a
harmonizar tudo isso.
Folha Online – O senhor acredita que a monarquia possa mesmo voltar ao Brasil?
Dom Luiz – Eu acho que sim e vou lhe
dar um exemplo. Houve um plebiscito em 1993 [para a escolha entre a forma
–República ou Monarquia Constitucional– e sistema de governo –Presidencialismo
ou Parlamentarismo] e nós tivemos 13% dos votos válidos. Entretanto, isso foi
realizado em condições muito pouco propícias, porque quando foi proclamada a
república o governo provisório disse que convocaria um plebiscito para ver se o
povo brasileiro queria continuar com a monarquia ou aceitar a república. E ele
esperou 99 anos para realizar isso. E não só isso: estabeleceu nas sucessivas
constituições uma cláusula pétrea que rezava que não se podia pôr em causa a
forma republicana de governo. Ora, depois de 99 anos começar tendo mais de 10%
dos votos válidos é um colosso para qualquer corrente de opinião. É preciso
dizer que quando houve a Constituinte de 1988 eu escrevi para os deputados e
senadores uma carta mostrando como essa cláusula pétrea era antidemocrática e
contrariava os princípios que aqueles parlamentares diziam defender. Eles foram
sensíveis a esses argumentos e aboliram a cláusula pétrea. Convocaram o
plebiscito, mas não foi feito em igualdade de condições. Primeiro pela falta de
tempo para organizar os monarquistas. O Brasil é imenso e meus irmãos e eu
percorremos esse país de norte a sul e de leste a oeste. Em segundo lugar, o
tempo de preparação [do plebiscito] foi encurtado em vários meses: de 7
setembro para 21 de abril. Em terceiro lugar, os meios de comunicação
praticamente só se falava de duas das três opções. Havia três opções: República
parlamentar, República presidencialista e Monarquia parlamentar. E só se falava
praticamente em República parlamentar e República presidencialista. A forma
monárquica de governo foi posta de lado. Não só isso, estava previsto no
decreto de convocação do plebiscito que cada corrente tivesse um espaço
gratuito [de propaganda] na televisão. Entretanto, meus irmãos e eu não pudemos
aproveitar desse espaço.
Folha Online – Por que?
Dom Luiz – Por causa de manobras, e
etc. e a coisa foi… Nós impetramos um mandado de segurança no Supremo Tribunal
Federal e aquilo foi protelado para depois do plebiscito.
Folha Online – Mas teve propaganda dos monarquistas na TV…
Dom Luiz – Sim, teve, mas por correntes
que não eram inteiramente de acordo com as nossas idéias e ideais. E foi muito
fraca. O fato de o herdeiro do trono e seu sucessor imediato não poderem
aparecer foi realmente uma arbitrariedade colossal.
Folha Online – Foi o Dom Gastão que
apareceu na propaganda?
Dom Luiz – Não, foi um sobrinho dele.
Eu não pude aparecer, mesmo sendo chefe da Casa Imperial do Brasil.
Folha Online – Mas se o senhor era o
chefe da Casa e herdeiro dinástico por que não pôde defender a monarquia no
plebiscito? A família do Dom Gastão conseguiu alguma decisão judicial?
Dom Luiz – Não, não [teve decisão
judicial]. Ele foi favorecido por certas correntes do parlamento, por alguns
políticos.
Folha Online – O senhor acredita que
isso prejudicou o plebiscito?
Dom Luiz – Enormemente. E depois uma
campanha contra a monarquia tremenda. Corria tudo que era boato: que seria
restabelecida a escravidão, como se não fosse a monarquia que aboliu a
escravidão. Os maiores absurdos e nós não pudemos interceder. Apesar disso,
[tivemos] 13% dos votos válidos e uma coisa que não se sabe é que mais de mais
50% dos votos foram nulos ou em branco. De onde vem isso? O povo brasileiro é
esperto, intuitivo, inteligente e percebeu que o jogo estava falsificado então se
absteve.
Folha Online – Ainda assim o senhor
acredita que a monarquia possa voltar?
Dom Luiz – Acho que sim. Não hoje, mas
amanhã, a médio-longo prazo, pode voltar. E eu acho que vai voltar. Por causa
da insatisfação do povo, porque há –não só no Brasil, mas no mundo inteiro– uma
tendência a voltar às antigas tradições aos antigos modos de ser uma moralidade
mais severa. Uma corrente muito forte tanto no Brasil como no exterior. E essa
corrente no Brasil pode ser determinante num certo momento. Poderia ser um novo
plebiscito, depende muito das circunstâncias. Uma coisa que nós não queremos é
um golpe de Estado porque um golpe de Estado sujeita o soberano à facção que o
pôs no poder e ele perde sua independência e o carisma próprio da monarquia.
Folha Online – O senhor alguma vez foi
consultado pelos governos brasileiros?
Dom Luiz – Não. Normalmente os governos
republicanos são ultradiscriminatórios. Eles nunca consultam as casas reais ou
imperiais.
Folha Online – Também existe
preconceito de achar que as casas imperiais são retrógradas?
Dom Luiz – Pode ser isso também. Mas
existe o medo que a opinião pública perceba que há algo diferente no país.
Folha Online – E como ficou a disputa
pela herança dinástica com a família de Dom Gastão?
Dom Luiz – Praticamente não existe mais
dúvida. No Brasil inteiro eu sou reconhecido como chefe da Casa e herdeiro
dinástico. Esse é um problema que eu preferia não entrar nele porque são
problemas familiares. Hoje em dia está completamente resolvido. Não há dúvida
nenhuma em lugar nenhum.
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